A Estefânia suicidou-se.
OLÁ
QUERO PARTILHAR UMA REALIDADE ACTUAL sobre a vida de uma professora que "deu" demais....
Lamento que seja demasiado dramática ...
A Estefânia suicidou-se.
Era da minha idade e, como eu, professora de inglês. Andou na faculdade na mesma época que eu.
Não me lembro da Estefânia. Apenas ouvi há dias a notícia da sua morte por uma jovem de quem muito gosto e cuja tristeza me comoveu.
Hoje li esta carta da Sara, sua filha. E fiquei destroçada. Pela Sara (que é sensivelmente da idade das minhas filhas) e pela Estefânia. Por todas as Estefânias que amam, ou amaram, a sua profissão e, um dia, se encontraram num inferno que não é a escola em que em tempos acreditaram.
A depressão pode matar, já sabemos. Não há possivelmente um motivo único que seja imputável a esta situação. Mas o catalisador para este suicídio pode bem ter sido o tormento que a Estefânia viveu na escola, nos últimos tempos.
A sua filha Sara (poderia ter sido outra filha, uma outra Sara), neste comovente apelo a que outros professores previnam o desespero, tem razão: amámos a escola, demos-lhe quase dois terços da nossa existência como pessoas, por vezes (muitas vezes) fomos mais presentes na escola e junto dos alunos e da escola do que juntos dos nossos próprios filhos; por vezes, alienámos o cuidado aos nossos pais, porque a escola estava primeiro; não faltámos, entregámos testes e trabalhos de casa a horas, envolvemo-nos em projetos, experiências, parcerias e outras fantasias, e o retorno que temos é a raiva generalizada contra os professores.
Se acrescentarmos a este sofrimento aquele que decorre da marginalização feita pelas chefias e a falta de camaradagem dos colegas que lutam por um lugar de destaque, galgando o caminho para o ‘sucesso’, sem escrúpulos, nem mérito, com a complacência de altos representantes sindicais, a situação é, realmente, insuportável. E a Estefânia sucumbiu. Mas deixou-nos a Sara, a quem agradeço a coragem desta carta, a intensidade dos sentimentos que exprime, a sensibilidade que expressa acerca dos professores, a preocupação que tem por que a morte da sua mãe não tenha sido em vão e possa ajudar aqueles que acreditam que a escola serve para melhorar as pessoas, criar cidadãos mais responsáveis, mais lúcidos, mais sabedores, menos vulneráveis à propagação do ódio aos professores…
Peço ao Américo, querido amigo, do primeiro curso de Germânicas, cá do Porto, que reencaminhe para a Sara Fidalgo esta mensagem. Quero que a Sara saiba que a admirei imensamente por esta carta. Que estou com ela na sua dor. Que, como mãe, lhe mando um beijo e, como professora, a minha gratidão.
«(…) Professores, ajudem-se. Conversem. E, acima de tudo, não deixem que a educação seja um fardo em vez de ser a profissão que vocês escolheram com tanto amor. (…)»
Vou seguir o sábio conselho da Sara e enviar a sua carta a todos os professores e professoras de quem gosto, a todas as pessoas que para mim são importantes. Precisamos de falar e de nos ajudar.
Aqui vai.
(Ana Paula Velasquez)
Reenvio-vos esta carta da Sara. A mãe, Estefânia, foi minha colega de curso, assim como o Fidalgo. Sei que a Estefânia era uma das pessoas que gostava do que fazia …. isto deixa-nos muito que pensar.
(Américo Dias)
A Sara é filha do Joaquim Fidalgo (jornalista e meu antigo colega na faculdade). A mãe (professora e também minha colega na faculdade) suicidou-se.
(Carta da Sara)
Carta a professores, alunos, pais, governantes, cidadãos e quaisquer outros que possam sentir-se tocados e identificados.
As reformas na educação estão na boca do mundo há mais anos do que os que conseguimos recordar, chegando ao ponto de nem sabermos como começaram nem de onde vieram. Confessando, sou apenas uma das que passou das aulas de uma hora para as aulas de noventa minutos e achei aquilo um disparate total. Tirava-nos intervalos, tirava-nos momentos de caçadinhas e de saltar à corda e obrigava-nos a estar mais tempo sentados a ouvir sobre reis, rios, palavras estrangeiras e números primos.
Depois veio o secundário e deixámos de ter “folgas” porque passou a haver professores que tinham que substituir os que faltavam e nós ficávamos tristes. Não era porque não queríamos aprender, era porque as “aulas de substituição” nos cansavam mais do que as outras. Os professores não nos conheciam, abusávamos deles e era como voltar ao zero. Eu era pequenina. E nunca me passou pela cabeça pensar no lado dos professores. Até ao dia 1 de Março.
Foi o culminar de tudo. Durante semanas e semanas ouvi a minha mãe, uma das melhores professoras de Inglês que conheci, o meu pilar, a minha luz, a minha companhia, a encher a boca séria com a palavra depressão. A seguir vinham os tremores, as preocupações, as queixas de pais, as crianças a quem não conseguimos chamar crianças porque são tão indisciplinadas que parece que lhes falta a meninice. Acreditem ou não, há pais que não sabem o que estão a criar. Como dizia um amigo meu: “Antigamente, fazíamos asneiras na escola e quando chegávamos a casa levávamos uma chapada do pai ou da mãe. Hoje, os miúdos fazem asneiras e os pais vão à escola para dar a dita chapada nos professores”. Sim, nos professores. Aqueles que tomam conta de tantos filhos cujos pais não têm tempo nem paciência para os educarem. Sim, os professores que fazem de nós adultos competentes, formados, civilizados. Ou faziam, porque agora não conseguem.
A minha mãe levou a maior chapada de todas e não resistiu. Desculpem o dramatismo mas a escola, o sistema educativo, a educação especial, a educação sexual, as provas de aferição e toda aquela enormidade de coisas que não consigo sequer enumerar, levaram deste mundo uma das melhores pessoas que por cá andou. E revolta-me não conseguir fazer-lhe justiça.
Professores e responsáveis pela educação, espero que leiam isto e acordem, revoltem-se, manifestem-se (ainda mais) mas, sobretudo e acima de qualquer outra coisa, conversem e ajudem-se uns aos outros. Levem a história da minha mãe para as bocas do mundo, para as conversas na sala dos professores e nos intervalos, a história de uma mulher maravilhosa que se suicidou não por causa de uma vida instável, não por causa de uma família desestruturada, não por dificuldades económicas, não por desgostos amorosos mas por causa de um trabalho que amava, ao qual se dedicou de alma e coração durante 36 anos.
De todos os problemas que a minha mãe teve no trabalho desde que me conheço (todos os temos, todos os conhecemos), nunca ouvi a palavra “incapaz” sair da boca dela. Nunca a vi tão indefesa, nunca a conheci como desistente, nunca pensei ouvir “ando a enganar-me a mim mesma e não sei ser professora”.
Mas era verdade. Ela soube. Ela foi. Ela ensinou centenas de crianças, ela riu, ela fez o pino no meio da sala de aulas, ela escreveu em quadros a giz e depois em quadros electrónicos. Ela aprendeu as novas tecnologias. O que ela não aprendeu foi a suportar a carga imensa e descabida que lhe puseram sobre os ombros sem sentido rigorosamente nenhum. Eu, pelo menos, não o consigo ver. E, assim, me manifesto contra toda esta gentinha que desvaloriza os professores mais velhos, que os destrói e os obriga a adaptarem-se a uma realidade que nunca conheceram. E tudo isto de um momento para o outro, sem qualquer tipo de preparação ou ajuda.
Esta, sim, é a minha maneira de me revoltar contra aquilo que a minha mãe não teve forças para combater. Quem me dera ter conseguido aliviá-la, tirar-lhe aquela carga estupidamente pesada e que ninguém, a não ser quem a vive, compreende. Eu vivi através dela e nunca cheguei a compreender. Professores, ajudem-se. Conversem. E, acima de tudo, não deixem que a educação seja um fardo em vez de ser a profissão que vocês escolheram com tanto amor. Pensem no amor. E, com ele, honrem a vida maravilhosa que a minha mãe teve, até não poder mais.
Sara Fidalgo
P.S. - Não posso deixar de agradecer a todos os que nos ajudaram neste momento de dor *
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